Total 90s - XXXVI

A viagem pelos anos 90 está a chegar ao fim mas ainda há tempo para abrir por uma derradeira vez o baú de recordações. Esta última edição é uma espécie de balanço final sobre as memórias mais vivas que a minha segunda década de existência me deixou em relação a filmes, séries, música e videojogos e também para lançar um breve olhar sobre outros títulos que ficaram à porta da rubrica, nomeadamente por motivos de tempo e espaço. Tal como sucedeu com o 80’s Bits, o Total 90s nunca teve a presunção de se considerar uma lista de “melhores da década” mas sim um espaço de memórias do que, por uma ou outra razão, me foi mais marcante.

Filmes

Após uma primeira década de vida em que o visionamento de filmes se reduzia ao que passava nos dois canais de televisão e de ocasionais idas ao cinema na companhia de familiares, os anos 90 representaram uma abertura de horizontes em relação à sétima arte. Foi a década em que comecei a ir ao cinema com amigos, namoradas, colegas de faculdade ou até sozinho e na qual começaria a trabalhar num clube de vídeo. O meu primeiro emprego contribuiu de forma decisiva para consolidar a paixão por filmes e a quantidade de filmes assistidos disparou a partir daí, fossem novidades ou títulos já lançados anteriormente. É claro que também continuei a ver e a gravar filmes que passavam na TV, até porque, com a chegada da SIC, TVI e da televisão por cabo a Portugal, a oferta aumentou substancialmente.

Ao longo da rubrica, o género ligeiramente mais destacado foi acção e aventura, tendo essa preponderância se registado mais na primeira metade da década. Arnold Schwarzenegger e Sylvester Stallone continuaram prolíficos nas suas carreiras de heróis de acção, apesar de incursões por outros géneros, com a média de um blockbuster lançado por ano. Do lote do austríaco naturalizado norte-americano destaco ‘O Último Grande Herói’ (1993), realizado por John McTiernan, uma paródia ao próprio género de acção que foi um relativo fracasso de bilheteira mas que é hoje considerado por muitos (incluindo eu próprio) como uma obra subvalorizada. Relativamente ao criador de Rambo e Rocky, a referência vai para ‘O Especialista’ (1994), thriller de acção em que partilhou o ecrã com Sharon Stone e o qual foi um dos primeiros filmes que fui ver ao cinema com amigos. Às duas superestrelas juntou-se o belga Jean-Claude Van Damme na que foi a sua década de afirmação. Entre os filmes que aluguei no videoclube local, destaque para ‘Máquinas de Guerra’ (1992), obra de Roland Emmerich onde enfrentou outro “durão” do cinema de acção, o sueco Dolph Lundgren.

Ainda no género de acção, destaque para a muito aguardada estreia em contracena dos “monstros” norte-americanos da representação Al Pacino e Robert De Niro em ‘Heat - Cidade sob Pressão’ (1995). O filme de Michael Mann não frustrou as expectativas num “jogo de gato e rato” entre um detective e um criminoso de carreira. Outro nome incontornável da sétima arte com um dos filmes da década foi Clint Eastwood e ‘Imperdoável’ (1992), brilhando à frente e atrás das câmaras. Uma referência final no género de acção e aventura para ‘Robin Hood - O Príncipe dos Ladrões’ (1991), um filme que acabei por ver no cinema porque, ao lá chegar com o meu irmão do meio e amigos, os bilhetes para a primeira escolha ‘O Exterminador Implacável 2 - O Dia do Julgamento’ já estavam esgotados. No final até gostei do filme protagonizado por Kevin Costner, apesar de não ser propriamente grande fã do actor. Foi também a primeira vez que vi um trabalho de Morgan Freeman.

Gostas de filmes de terror?”. A citação pertence a Ghostface na mítica cena inicial ao telefone entre o assassino e a personagem interpretada por Drew Barrymore em ‘Gritos’ (1996) e marcou uma nova era no cinema de horror. Antes do lançamento de ‘Scream’, no seu nome original, a popularidade do género tinha sido considerada em declínio, pois muitos filmes eram lançados directamente para vídeo ou os que eram lançados nos cinemas eram sequelas de franquias populares, como ‘Halloween’, ‘Sexta-feira 13’ e ‘Pesadelo em Elm Street’, que atraiam alguma audiência mesmo com a diminuição do orçamento e a baixa recepção crítica. O excesso de sequelas contribuiu para a familiaridade do público com os ícones dos anos 80, como Freddy Krueger e Jason Voorhees, que já tinham perdido a capacidade de causar sustos ou interesse no público. ‘Gritos’, realizado por Wes Craven, inteligentemente destacou-se através de um argumento inovador que goza com os clichês dos filmes de terror, ao mesmo tempo que mantém o espectador na expectativa, tornando-se um sucesso financeiro e crítico e trazendo nova vida ao género.

No campo das comédias, recordo ‘American Pie - A Primeira Vez’ (1999) e como marcou uma geração, dando origem a vários sequelas, um pouco à semelhança da saga ‘Porky’s’ nos anos 80. Destaco igualmente no final da década os filmes ‘Doidos por Mary’ (1998) e ‘O Insustentável Peso do Trabalho’ (1999). O primeiro juntou Cameron Diaz e Ben Stiller sob as ordens do humor peculiar dos irmãos Farrelly e o segundo, não tão mediático no seu tempo, tornou-se uma obra de culto e acabou por influenciar outros filmes e séries que têm num escritório o seu ponto de referência humorístico. No subgénero das comédias de acção (ou acção com comédia) tenho que destacar ‘Tartarugas Ninja’ (1990) e a sua sequela ‘Tartarugas Ninja II: O Segredo da Lama Verde’ (1991) até pelo número de vezes que vi e revi ambos os filmes em VHS, depois de gravar quando passaram na RTP1.

Por último, uma referência a filmes de série B, especialmente alguns tão maus que se tornam “bons”. Destaco duas pérolas: ‘Troll 2’ (1990) e ‘Samurai Cop’ (1991). O primeiro é uma sequela que não tem nada a ver com o original de 1986 e que apenas usou o título como manobra de marketing. É um filme independente ítalo-americano de terror e fantasia que acaba por fazer rir por causa dos efeitos visuais ridículos. O segundo é uma das descobertas por engano das quais mais me orgulho. Quando procurava o filme ‘Maniac Cop’ (1988), deparei-me com este ‘Samurai Cop’, uma película de acção norte-americana realizada pelo iraniano Amir Shervan. Pensada como uma espécie de imitação da saga ‘Arma Mortífera’ e protagonizada por um antigo guarda-costas de Sylvester Stallone, o filme repete quase todos os clichês de acção de Hollywood que se possa imaginar e cola-os juntos com pouca consideração pela continuidade ou lógica básica. Sem querer, Shervan criou uma comédia hilariante.

Séries

Ao contrário do que sucedeu na década anterior, em que a oferta de séries em Portugal estava limitada ao que passava nos dois canais da televisão pública, os anos 90 trouxeram mais alternativas. O aparecimento dos canais privados SIC e TVI e a chegada da televisão por cabo a território nacional permitiram acompanhar um maior número de séries, geralmente com o formato de transmissão semanal de um novo episódio.

Para além das que foram destacadas ao longo da rubrica, relembro-me de 'Buffy - Caçadora de Vampiros' (1997-2003) que foi transmitida na SIC e, mais tarde, na SIC Radical. Baseada no filme homónimo de 1992 escrito por Joss Whedon, a série durou sete temporadas e notabilizou-se pela mudança de estilo em relação ao material de origem, mais virado para a comédia e que passou despercebido nas salas de cinema. Criada pelo mesmo Whedon, 'Buffy - Caçadora de Vampiros' acompanhava a luta da adolescente Buffy Summers (Sarah Michelle Gellar) contra o sobrenatural e de início prendeu-me a atenção, assim como a colegas de faculdade com quem costumava falar sobre a mesma, mas após a segunda temporada comecei a perder o interesse na trama. Igualmente na SIC passava 'Walker, o Ranger do Texas' (1993-2001), com Chuck Norris no papel principal. Notada pelo seu estilo moralista, a série prolongou-se por oito temporadas, culminado depois no telefilme 'Walker, Texas Ranger: Trial by Fire' (2005). Acompanhei apenas esporadicamente, mais para ver o ícone das artes marciais a distribuir pancada enquanto garantia a lei e ordem no estado norte-americano.

No campo das comédias, uma referência a '3º Calhau a Contar do Sol' (1996-2001), série criada por Bonnie e Terry Turner sobre uma família de alienígenas de visita à Terra. A sitcom extendeu-se por seis temporadas e passou por cá na RTP2, tendo visto alguns episódios. Quanto ao "novo mundo" da televisão por cabo, acompanhei muitos programas e séries na SIC Radical que, apesar de só ter sido lançada em 2001, trouxe ao pequeno ecrã vários produtos internacionais dos anos 90. De todos, destaco 'MADtv' (1995-2009), uma espécie de concorrente directo por parte da Fox do mais conhecido 'Saturday Night Live' (NBC) mas com um humor mais corrosivo e arriscado que me agradou bastante.

Música

Os anos 90 trouxeram a afirmação do compact disc (CD) como o formato mais usado para reproduzir música, destronando os discos de vinil e as cassetes. Estas últimas ainda continuaram populares, não tanto como veículo das editoras para vender os novos álbuns dos seus artistas mas pela forma mais económica de poder fazer cópias da música dos CD. Para além disso, continuavam a usar-se cassetes "virgens" para gravar canções que passavam na rádio, algo que já vinha da década passada. Os meus dois irmãos começaram as suas colecções de CD e eu iniciaria também a minha por volta dos 17 ou 18 anos. Se nos anos 80 eu e os meus irmãos tinhamos os gostos musicais mais alinhados, principalmente com os discos de vinil que o mano mais velho comprava, na década seguinte todos nós expressámos interesse por outras sonoridades, mantendo como "base" o rock e hard rock. Pessoalmente, o contacto com amigos, colegas de escola e faculdade, para além do que passava nas rádios e nos canais de televisão (cabo incluído) abriu novos horizontes musicais. Tive a minha fase grunge, metal, electrónica e nu metal.

Cumprindo uma regra que criei para o Total 90s em não repetir bandas e artistas ao longo da rubrica, tiveram que ficar de fora álbuns muito marcantes para mim como 'Blood Sugar Sex Magik' (1991) dos Red Hot Chili Peppers, 'Nevermind' (1991) dos Nirvana, ‘Youthanasia’ dos Megadeth ou 'Ultra' (1997) dos Depeche Mode. Quanto a outros discos de nomes que falharam a inclusão, mas que merecem uma menção, destaco ‘Dangerous’ (1991) de Michael Jackson, ‘Double Eclipse’ (1992) dos Hardline, ‘Mellon Collie and the Infinite Sadness’ (1995) dos Smashing Pumpkins e ‘Unplugged’ (1997) de Bryan Adams.

Cada década tem os seus one-hit wonders e os anos 90 não foram excepção. Ainda que o conceito possa ser impreciso e injusto para as bandas e artistas em questão quando até acabam por conseguir lançar outras canções como singles, há músicas que definem uma carreira. Nesse sentido, algumas das minhas one-hit wonders de eleição dos anos 90 são ‘U Can't Touch This’ (1990) de MC Hammer, ‘No Rain’ (1992) dos Blind Melon, ‘Return to Innocence’ (1994) dos Enigma e ‘Closing Time’ (1998) dos Semisonic.

Quanto a canções de artistas e bandas já com vários êxitos mas que acabaram por não marcar presença nos artigos, destaco ‘Man in the Box’ (1991) dos Alice in Chains, ‘Cover My Eyes’ (1991) dos Marillion, ‘Born of Frustration’ (1992) dos James, ‘Creep’ (1992) dos Radiohead, ‘Ordinary World’ (1992) dos Duran Duran, ‘Zombie’ (1994) dos Cranberries e ‘Don't Look Back in Anger’ (1996) dos Oasis, entre muitas outras.

Videojogos

A década de 90 trouxe, na sua primeira metade, o auge da rivalidade entre Sega e Nintendo pelo domínio do mercado das consolas e, na segunda, o aparecimento de um novo concorrente de peso, a PlayStation da Sony. A entrada do gigante conglomerado multimédia na indústria dos videojogos veio mesmo transformar o status quo da mesma, precipitando o fim da Sega como produtor de hardware, enfraquecendo a posição da Nintendo e motivando a entrada da Microsoft em 2001 no mercado como sério competidor através da sua Xbox original. Com a capacidade e qualidade gráfica dos jogos das consolas e dos computadores pessoais a aumentar substancialmente, as máquinas arcade começaram no final da última década do século XX a perder a relevância que outrora detiveram.

ZX Spectrum, Mega Drive e PC. Foram estes os três sistemas onde mais joguei durante os anos 90, cronologicamente por esta ordem. O produto da britânica Sinclair Research foi um dos mais influentes microcomputadores europeus na década de 80 mas a sua relevância caiu a pique com a “guerra das consolas” dos anos seguintes. Eu só tive o meu ZX Spectrum 128K +2 por volta de 1992, ano em que a máquina foi descontinuada, mas ainda joguei muitos títulos, especialmente da década anterior, até porque um amigo e colega de turma tinha uma colecção enorme e era fácil (e não necessariamente ilegal) fazer cópias dos jogos. Elegíveis para a rubrica poderiam ser ‘Mercs’ (1990) ‘Pit Fighter’ (1990), ‘Navy SEALS’ (1990) ou ‘Darkman’ (1991).

Só dei mais “descanso” ao Spectrum quando recebi a Mega Drive num Natal dos anos posteriores e posso dizer que foi a consola que mais me marcou. Não tinha uma colecção muito extensa (o elevado preço dos jogos assim o ditava) mas disfrutei de todos os cartuchos que possuía e ainda de outros que me foram emprestados ou que joguei em casa de amigos. ‘Streets of Rage 2’ (1992), ‘Flashback’ (1992), ‘Super Street Fighter II: The New Challengers’ (1994) e ‘NBA Jam Tournament Edition’ (1995) foram jogos que não foram alvo de destaque individual ao longo da rubrica mas que, ainda assim, merecem um pequeno destaque.

Quando entrei para a faculdade, comprei um computador para poder redigir os trabalhos da mesma e acabei por ficar também com um PC apto para os jogos dessa plataforma. À porta da inclusão na rubrica ficaram títulos como ‘Quake’ (1996), ‘TOCA Touring Car Championship’ (1997), ‘The Curse of Monkey Island’ (1997) ou ‘F1 Racing Simulation’ (1997), um jogo desenvolvido pela Ubisoft com as licenças oficiais do Campeonato Mundial de Fórmula 1 de 1996 e que permitia vários jogadores em que cada um conduzia, por turnos, alguns minutos e a IA comandava o nosso carro enquanto era a vez dos outros jogadores.

Ao fim de 36 edições, o Total 90s chega ao fim. Foram três anos de memórias que me marcaram relativas a filmes, séries, música e videojogos dos anos 90. Um obrigado a toda a equipa do Oitobits e a todos os leitores que acompanharam a rubrica durante este tempo. O retorno que recebi foi francamente positivo e motivou-me a continuar, na esperança de que mais pessoas se tenham identificado, registado experiências ou pelo menos recordado alguns dos conteúdos cinematográficos, televisivos, musicais ou referentes a videojogos que fui destacando.